sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Por um fio

Tenho mágoas soterradas e inúmeros quebra-cabeças interiores, uma dor brotante não passível de comparações e uma fragilidade que me acerca nestes dias vulgares. Tenho dores! Tens dores... de circunstâncias e enfermidades diferentes e termináveis. A tua dor é física, a minha é psicológica. A minha dor é incurável, a tua vai-se com o tempo, assim como as nuvens. Tu és as nuvens, eu sou o céu que se levanta das trevas e solta vociferações em pergaminho usado, deturpado, negro, num vasto historial de acções fedidas e perdidas pelo tempo, de voo rápido, de fins propensos à minha célebre destruição nocturna de frustrantes surrealismos. Sou a colossidade de ideias que jamais alcançarás. Sou demasiado complexa para o teu ser matinal e confortante. Somos opostos e não, opostos não se atraem e eu repelo-te quanto mais posso porque a tua presença entranha-se em mim e torna-me diabolicamente suja. Torna-me nua das capas que me sustentam e das máscaras que manuseio a meu jeito. Torna-me frágil, insustentada, sem teoria e crucificada numa prática de pregos infernais que me prendem ao teu mundo. 
Vai, leva esse encanto para caminhos entrecruzados de desfolhadas sucessivas! Leva as minhas entranhas fraccionadas, o corpo imprestável que possuo, a voz que não se pavoneia do que sente e que esconde a verdade dos fragmentos de que sou composta. A cada alusão tua, cada poro de mim contamina-se com memórias e realidades crepitantes que me derrotam e denotam silenciosas melodias na cegueira dos meus salgados olhos.
Tornas-me pestilenta, impassível, aguda e mortificada pela tua imagem. Esborratas o vermelho do meu coração de anatomia fraca, escavas entre as minhas veias e cruza-las com artérias desproporcionais gerando pontes que são fulminantes e os glóbulos oculares saltam, rolam e caem sobre a tua fotografia! Venerando-a numa cegueira descomunal que enche a íris de vida, deixando o resto do meu corpo numa procura enfadonha sem resultados nem significações. É irónico como sorris e ris, gargalhando a bom grado da minha penúria, da minha sombra, do vulto que me acerca para me levar daqui e me lançar ao vento, na proa de tempestades e colossos de questões adversas... É irónico como me deixaste desamparada e ainda me empurraste pelo precipício de milhares de quilómetros de altitude... É irónico como eu sobrevivi para me cobrir de mazelas em noites geladas e purificadas pela chuva atroz que me desfigura a face. É irónico. O amor é irónico! Tão irónico que a imaginação voa e saem erróneas realidades que não têm o menor sustento nem fundamento num mundo de mentalidades construídas por enganos verdadeiros. É irónico, é tudo irónico...



Pintura de Salvador Dalí

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