domingo, 19 de outubro de 2014

Sou-te

Sempre que o canto das andorinhas
E o tumulto das tempestades
Assombrarem o teu peito,
Lembra-te que é essa a essência da vida:
Dualidades,
Polaridade;
Defeito.

Sempre que o horizonte te cegar
E a minha voz se perder no tempo
Lembra-te que a chuva e o vento são irmãos,
O rio e as flores companheiros,
Os índios e os colonos rivais,
A floresta e a noite mistérios,
e eu sou tua.

Facto. Ponto. Simbiose.
E então:
Sou-te.
Na curva do peito, na aba do sorriso, nas ondas do cabelo.
Nos corpos que entoam a mesma melodia intemporal
De suspiros e extensões de amor.
Carnalmente doce.

Sou-te,
Nesta rua apressada,
Nesta brisa outonal,
Nas avenidas, nas pracetas, no metro,
Neste quotidiano informal vestido pelo Homem.

Sou sorrisos, dou ternuras,
Caminho contigo pelo abismo de violetas encardidas
Plantadas pelos destinos perdidos de outros amores
Com a certeza de que seremos diferentes,
  Leves, puros e belos como margaridas prontas a colher.

Sou-te,
em canónicos sentires de plenitude comungada:
e o teu sorriso enlaçou(-se) no meu.

Posso não ter uma fisionomia de gigante,
Não ter na palma das mãos a imensidão do universo
Ou a força arrebatadora das palavras,
mas,
Por ti,
   carrego estrelas, mil estrelas, no olhar.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A Dança dos Pássaros




És tu quem conhece as ditaduras de uma vida em queda anabática.
És tu quem espelha no céu os gestos dela e a vês em cada nuvem fugidia.
És tu quem vê os campos de flores e lembras o seu sorriso... E as violetas do vestido.
És tu quem vive de um despotismo absorto de sentires e se embebeda de existências.
És tu o mártir da tua própria cruzada e dos pesadelos desenhados pelos outros.
És tu quem grita pelo vento e vocifera o pôr-do-sol numa sinestesia intrincada.
És tu quem chora com os poemas de Drummond de Andrade na solidão da madrugada.
És tu quem tem inveja dos pássaros e do Peter Pan; porque o teu voo é feito de espirais formadas por asas cronológicas sem abraços nem braços, sem compassos nem passos, sem esferas nem esperas.
És tu quem vive de prisões, de risos estridentes, de ardentes quimeras; que gritas, voas, existes e desistes. E desesperas.
Voltem, voltem, voltem quimeras.