quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Analepse

Sou realeza num reino amplo e sombrio
Possuo um remoinho de espectro vazio
Que corre maratonas de contraluz num trajecto circundante
Rodopiante, arrepiante.
Vens...
Rejuvenescido e desperto...
Tocas-me ao de leve
Observas-me de perto
Esboças um sorriso cansado
Tens por perdido o que julgávamos certo
E o nosso futuro é já passado.

E já voou tanto tempo...
Já as andorinhas migraram e voltaram
Já as estrelas se desalinharam no firmamento
Já as lágrimas brotaram e se enxugaram
Já as viúvas cerraram os olhos, abençoando tal momento!
Já o Sol repousou e a Lua nasceu
Já a Primavera firme e colorida principiou
E o Inverno, fugaz como um relâmpago numa trovoada, evaporou!
Já a criança inocente deste hospício nasceu
Já o velho da última casa da ruela morreu
Já tanta vida se viveu
E tanta outra se perdeu!
E já os nossos olhos se cruzaram
E já os corpos munidos de dor os acompanharam
Em pequeninos cortejos
Gotejantes.
Enésimas vezes,
Num longo espaço de meses.
Imóveis, de expressões grotescas, rebentam em nós raízes
Arteriosamente ventriculadas no nosso peito
Combustíveis malignos das noites que nos trazem calafrios
Erguidas, levantadas a preceito, remendadas de defeito
Que trazem outrora suaves e agora maliciosos poderios
De remoinhos tão solenemente vazios.
Eu  Tu  Nós
 Nu  Cru  Sós
Amor frutado, anabático e vibrante
Consumado em desenrolhar de espumante
De uma alma límpida e renascida
Crepitante, remoinho de uma vida...
Tão veloz e certeiro numa investida
E dispersos sobre a aura de um relógio parado
Somos o espelho de um amor vencido
Perdido e ofendido por outrem
Somos duas almas separadamente juntas
Um sorriso de dentadura gasta
Sem entrada livre para ninguém
Um relógio parado, sem ponteiros nem guia
Que nos baralha e rasteja a passagem na cronologia
Divagando-nos sem demoras
Somos o remoinho que se arrasta... Sem noção das horas...

5 comentários: